domingo

mar que arrebenta

Gravura de Manu Maltez para Rasif
Oferenda não é essa perna de sofá. Essa marca de pneu. Esse óleo. Esse breu. Peixes entulhados. Assassinados. Minha Rainha. Não são oferenda essas latas e caixas. Esses restos de navio. Baleias encalhadas. Pinguins tupiniquins. Mortos e afins. Minha Rainha. Não fui eu quem lançou ao mar essas garrafas de Coca. Essas flores de bosta. Não mijei na tua praia. Juro que não fui eu. Minha Rainha. Oferenda não são os crioulos da Guiné. Os negros de Cuba. Na luta. Cruzando a nado. Caçados e fisgados. Náufragos. Minha Rainha. Não são para o teu altar essas lanchas e iates. Esses transatlânticos. Submarinos de guerra. Ilhas de Ozônio. Minha Rainha. Oferenda não é essa maré de merda. Esse tempo doente. Deriva e degelo. Neste dia dois de fevereiro. Peço perdão. Minha Rainha. Se minha esperança é um grão de sal. Espuma de sabão. Nenhuma terra à vista. Neste oceano de medo. Nada. Minha Rainha.

Para Iemanjá, de Marcelino Freire, extraído do livro Rasif Mar que Arrebenta, Ed. Record, 2008, Ilustrações de Manu Maltez