terça-feira

sobre o amor pela natureza

Bonina, margarida, malmequer ou bem-me-quer.


"Sou por profissão um cientista da natureza e não um amante da natureza. Por sinal um daqueles que lidam com ciência exata, isto é, com muito trabalho de raciocínio, altas matemáticas e um pensamento lógico rigoroso. (...) 

Um dia observava uma bonina de tamanho considerável. Mergulhei em suas inúmeras petalazinhas brancas de neve, que, segundo vim a saber depois, constituiam cada uma uma flor completa. E em seguida no meio das inúmeras esferazinhas amarelas, que correspondiam a outras tantas flores inteiras elas tambem. A flor total não era uma flor única mas sim uma chamada flor composta. Só que então eu ainda não o sabia. Queria apenas ver, contemplar e tornar a contemplar. Colhera a bonina para melhor obeservá-la sob todos os ângulos. Contemplava de novo sua cabecinha volumosa. E nessa altura sucedeu algo inesperado, a que só os poetas são capazes de dar verosimilhança. (...) 

Era como se de repente os papéis houvessem se invertido. Não era eu que olhava a bonina, mas ela que me olhava, do fundo, séria mas alegre ao mesmo tempo. Era como se quisesse interpelar-me. Não se tratava de palavras, naturalmente. No entanto a interpelação era absolutamente real. Como se a flor dissesse: Vês, eu vivo, quero existir e viver (não havia aqui a menor censura contra o fato de ter sido colhida, antes pelo contrário, parecia feliz por eu a ter querido); Toma-me para ti, estima-me. (...) Subitamente surgiu entre mim e a flor um elo íntimo e inexplicável. (...) Décadas depois, pouco antes de escrever essa conferência, li quase por acaso uma citação extraída da obra de um dos mais importantes fundadores do neo-platonismo: Plotino. (...) Fiquei impressionado e espantado ao ler: "Contemplar e ser contemplado é uma só coisa. O contemplado e o que contempla são um só." 

Será difícil resumir em palavras mais breves, incisivas e impressivas a experiência que acabo de descrever. (...) Não podemos continuar eternamente a ser os contemplados, os que recebem, os que aceitam sacrifícios. Que sacrifício não faz a natureza oferecendo-se-nos a si mesma como alimento! Tal situação porém tem um fim na própria finitude da natureza. A retribuição como consideração e amor é um dever ético."


O texto acima foi extraído de uma palestra do físico alemão Walter Heitler (1904-1981), um dos expoentes da física quântica. E daí ele segue se aprofundando em filosofia e espiritualidade. Infelizmente o texto é longo para postá-lo na íntegra. Considerações impressionantes, partindo de um cientista...